NÃO CHEGAMOS DE LIMUSINE


Roberta Sudbrack, Revista Gula edição 231.


NOSSAS ESCOLAS DEVERIAM PRESTAR MAIS ATENÇÃO À MENSAGEM QUE ESTÃO PASSANDO AOS NOSSOS JOVENS COZINHEIROS

Com o "boom" da gastronomia no Brasil e no mundo, temos assistido diariamente a cenas ora animadoras, ora assustadoras nos bastidores de nossas cozinhas. Minha geração não chegou de limusine à cozinha. Chegamos a pé e com feridas na ponta dos dedos,... porque o caminho foi tão longo que os sapatos furaram! Chegar até o piano, como é chamada a bancada central de uma cozinha profissional, onde fica o fogão principal, não é tarefa para principiante. Há que se conquistar este espaço e, quando alcançado, há que se reverenciá-lo todos os dias. Conseguir um estágio nunca foi fácil, já passei por isso e atesto que nunca consegui um que prestasse. A verdade é que, mesmo disposta a me sujeitar ao que quer que fosse, desde lavar, varrer, picar, limpar até correr, todas as portas sempre foram batidas na minha cara. Hoje em dia tenho pilhas de pedidos de estágio na mesa de trabalho. Até pouco tempo atrás olhava para elas constrangida, envergonhada até, por não conseguir dar a oportunidade que gostaria a todos. Hoje, depois de algumas experiências desastrosas, confesso que olho-as com desconfiança e com cuidado redobrado.
Chef nenhum desperdiça um talento. Se vaga não há, certamente ela será criada. 
Por outro lado, é desconcertante observar o descaso e a falta de preparo e comprometimento de alguns estagiários que perderam alguns minutos preciosos da sua vida escrevendo cartinhas apaixonadas, pelas quais inúmeras vezes você se deixou influenciar. Conheço colegas que andam tão desapontados que criaram uma sessão separada em suas cozinhas para receber os estagiários.  
Ou seja, a tática seria isolá-los num mundinho hermético, aparentemente seguro e ligeiramente parecido com a sala de aula, para que não se assustem com a realidade e saiam correndo sem dar satisfação no terceiro dia de trabalho. Sinceramente, acredito que todos perdem com isso.
Não há dúvidas de que o trabalho deve ser de base. Nossas escolas e universidades deveriam prestar mais atenção à mensagem que estão passando aos nossos jovens cozinheiros. Deveriam sair mais, conversar mais com os chefs, ouvir certos relatos: trabalhar dentro de sala de aula de uma maneira mais próxima da realidade com a qual fatalmente todos irão se deparar. Sair do mundinho hermético que nada tem a ver com a realidade pulsante de uma cozinha profissional em movimento e avaliar o tipo de profissional que estão jogando aos montes no mercado. Mercado este que em muito pouco tempo estará saturado. Se não pela falta de oportunidades, certamente pela falta de paciência. Não convém ao cozinheiro jogar a toalha, o que tentamos ensinar diariamente na cozinha é que a superação dos limites e obstáculos é fundamental para a sobrevivência dentro dela.
Mas confesso que, diante de tanta falta de comprometimento, humildade e paixão, me vejo, junto com meus cozinheiros e alguns colegas, numa fase um pouco descrente e menos sensível a cartinhas apaixonadas que me chegam diariamente. A grande pena? É que haverá uma, ou duas, no meio delas, escrita por alguém que não acreditou que a história fosse aquele conto de fadas que tentaram lhe vender e certamente estaria disposta a lutar como um guerreiro verdadeiro.
Se chegaremos a lê-Ias? Só a rapa do tacho dirá ... 

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